Márcia Tigani*
A cada dia que passa, mais me convenço que a medicina brasileira é uma das piores em qualidade de relação médico- paciente que existe, pois copia o modelo norte americano e é escrava da indústria farmacêutica. Copia aquele modelo ” hidráulico” de causa- efeito , sempre buscando respostas no biológico, no bioquímico, em detrimento de um modelo biopsicossocial, holístico, que só existe mesmo na teoria. Na prática, prevalece o modelo ” pragmático, ” econômico” e ” objetivo” dos norte americanos. Não há tempo para a subjetividade e menos ainda para os ” sentimentos” do doente pois ” time is money”. Hoje é praxe dar- se a notícia de um câncer a seu portador com bastante objetividade e eficiência. De forma bem protocolar. De forma racional. Sem emoção. Só se esquece que vivemos num país latino-americano, nossa cultura não é a anglo- saxã.
Fala-se se do ” trabalho escravo” de cubanos no Brasil e pelo mundo, mas não se fala da escravidão do médico brasileiro à indústria farmacêutica, ao poder que elas exercem sobre os médicos visando o lucro, não se fala da subserviência de muitos à essa indústria que promete mundos e fundos em troca de prescrição .É preciso muita lucidez e discernimento para não se cair na sedução da indústria farmacêutica, não aceitar favores e não se prescrever o remédio da ” moda” apenas por pressão da propaganda.
Também há de se mencionar a escravidão às medicinas de grupo: ganhar 30 reais por consulta médica enquanto o plano de saúde cobra valores fora da realidade brasileira à seus usuários, viver atendendo milhares no consultório repleto de ” convênios” : Isso é ou não é escravidão? Mas a ” elite” médica não gosta muito deste assunto pois escancara uma realidade a qual não convém ser revelada pois manter a aparência de sucesso faz parte desse segmento de trabalhadores e da classe a qual pertencem.
Claro que avançamos muito na medicina, conhecemos melhor a fisiopatologia e a evolução das doenças e sabemos como preveni,- Las e melhor trata- las. Mas a hipermedicalização que se sucedeu ao desenvolvimento da medicina chama- me muito a atenção: há remédios para dormir, para acordar, para se concentrar, para não chorar, para a ansiedade, para não agitar, para melhorar performance sexual, para tirar o desejo sexual, para tirar a fome, para aumentar a fome, para crescer, para emagrecer, para engordar, para não engravidar, para engravidar, para não morrer…só não vejo remédio para o ódio fascista revelado neste país e para se ser feliz nesse sistema injusto e desigual chamado capitalismo…
*Médica, Psiquiatra, poeta, escritora, militante social e Colunista do Cartas Proféticas.